Oba Aré

Miguel Sant’anna

Empresário e líder religioso. Miguel Arcanjo Barradas Santiago de Sant’Anna foi uma das figuras mais representativas da comunidade afro-baiana. Nasceu em 29 de setembro de 1898. Com a idade de oito anos ficou órfão e foi morar com a tia. Ele foi criado em meio das solidariedades familiais e do parentesco. Parentesco consanguíneo e parentesco ritual, compadrio, mães e pais-de-santo a imprimir a identidade dos grupos emergentes na sociedade de seu tempo, marcando e definindo o caminho do moço na tradição de sua gente. Ainda adolescente, recebeu o posto de Zabá no terreiro da nação Tapa no Gunocô (hoje vale do Bonocô). Era o posto mais alto nesta nação. Nas noites de São João os nagôs Tapa praticavam uma cerimônia nos bamburrais do Gunokô em homenagem a Indakó (Orixá da Nação Tapa). Foi o único brasileiro descendente de africanos a receber este posto.

Pertencendo a uma antiga família-de-santo e tendo sido, desde jovem, ogã confirmado de Omolu no Engenho Velho, seria, mais tarde, um dos primeiros Obás de Xangô - com o nome de Obá Aré, na Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá, o terreiro de São Gonçalo do Retiro. Fez muitos benefícios aos terreiros. Muitas pessoas que não tinham recursos, fizeram obrigação de orixá com a ajuda financeira dele, não importando em que terreiro fosse. Seja no Opô Afonjá, Casa Branca, em Cachoeira terreiro de Gêge de Abalia Debessein, em Muritiba no terreiro de Nezinho, no Gantois, entre outros. A importância de Miguel Sant’Anna no Opô Afonjá, pode ser avaliada pelo cargo que lhe foi atribuído pela Ialorixá Aninha em suas determinações finais, como relata seu neto-de santo, o assobá Didi: “Obá Aré, Obá Abiodun fica como presidente da Sociedade, e você eu quero que fique ao lado da Ossi Dagan, lessé orixá (nos pés do santo)”. Em vida, criou e casou muita gente, parentes e aderentes, sua casa só vivia cheia.

“Encontro no peji de Xangô, o velho Miguel Santana, o mais velho, o mais antigo dos obás da Bahia, o derradeiro dos obás consagrados por mãe Aninha, vestido no maior apuro como se fosse para uma festa de casamento. Assim se veste sempre, mantendo aos 85 anos contagiosa alegria de jovem. Quem não o viu dançar e cantar numa festa de candomblé não sabe o que perdeu. Quantos filhos você semeou no mundo, Miguel? O sorriso modesto, a voz tranquila: 51, meu amigo, entre homens e mulheres, um deles nasceu de uma sueca, outro de uma índia. Descemos juntos a Ladeira do Cabula, a voz de Miguel Santana Obá Aré recorda distantes acontecimentos. Sabe mais sobre a Bahia do que os doutores, os eruditos do Instituto, os historiadores e os membros da Academia. Sabe por ter vivido. Foi rico e é pobre, teve mando de barcos, hoje possui apenas o respeito do povo - a bênção, Obá Aré! Deus lhe salve, seu Miguel Santana”, escreveu Jorge Amado no livro Bahia de Todos os Santos.

No seu processo de ascensão econômica, Miguel Sant’Anna chegou a ser considerado um homem rico, pelos padrões da Bahia nos anos 30. Pierre Verger o colocou em seu livro, Retratos da Bahia, como negro ilustre naquela época. Enfrentou, nos últimos anos de sua vida, dificuldades financeiras decorrentes das mudanças no sistema produtivo do Estado, em que ele desempenhava um papel considerável com sua empresa de intermediação do serviço de estiva no porto de Salvador. Por muitos anos, Miguel Sant’Anna manteve seu escritório de contratação de estivadores, dando continuidade ao trabalho de seu tio Adão da Conceição Costa, até à crise daquelas empresas motivada pela nova legislação, as lutas sindicais e o decréscimo da navegação de cabotagem e internacional. Ele enfrentou com resignação. Até o seu fim, doente e combalido, mostrava-se um homem corajoso e forte, patriarca e generoso e atento à sua extensa família. Para se contar a história do Centro Histórico e do candomblé na Bahia, necessariamente, é obrigatório citar o nome desse empresário e líder religioso, descendente de africanos. Miguel Sant’Anna vivenciou intensamente o cotidiano da área central de Salvador - especificamente o Centro Histórico e Cais do Porto -, da comunidade de origem afro, da qual descendia. Sua experiência de vida é marcante e sua memória está diretamente ligada a vários terreiros de candomblé, como o extinto Gunokô, a Casa Branca e o Ilê Axé Opô Afonjá, à maçonaria e irmandades católicas.

Miguel Sant’Anna faleceu em 15 de outubro de 1974 numa quarta-feira, às 08:30 da manhã. Com seis meses após a sua morte houve Axêxê (obrigações) na Casa Branca. A Sociedade prestou homenagem a Miguel Sant’Anna, Ogan Tataygbi, em reconhecimento aos benefícios que ele fez em vida à este terreiro. O professor Vivaldo Costa Lima, diretor do IPAC, lhe prestou uma homenagem póstuma, dando seu nome ao teatro que instalou na área do Pelourinho, localizado na rua em que nascera Miguel Sant’ Anna - chamada, então, de Beco do Mota e hoje denominada Leovigildo de Carvalho -, o Teatro Miguel Sant’Anna. Fonte de informação e inspiração da literatura, Miguel Sant’Anna acabou virando personagens de livros de Jorge Amado como Tereza Batista Cansada de Guerra, Tenda dos Milagres, Bahia de Todos os Santos, entre outros. Ele é citado também em vários livros que relatam a história de alguns terreiros de candomblé e da cidade no início do século. “Foi homem de muitas lutas, esse Miguel Obá Aré, e lutas nobres, de estofo social. Tem o nome ligado ao cais da Bahia, como estivador, prestador de serviços e líder. Pertenceu a uma das ‘elites de cor’.”, informou o vereador João Carlos Bacelar na orelha do livro em homenagem a Miguel Sant’Anna, co-editado pelo CEAO e EDUFBA. Falar de Miguel Sant’Anna é resgatar a memória de uma personalidade ecumênica de grande representatividade para a cultura baiana e que continua viva na lembrança de filhos e netos e de todos aqueles que o conheceram em vida.

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