por Rodrigo Marques
Segunda-feira é um dia especial na Federação. É quando centenas de pessoas sobem os 14 degraus que levam à pequena igreja de São Lázaro para agradecer e fazer pedidos relacionados à saúde e à cura de doenças. A capela que foi erguida ainda no período colonial, no século XVIII, tem uma significativa importância na história da tradição Católica e do Candomblé na Bahia. O sincretismo religioso também faz parte da identidade histórica do santuário, onde, até hoje, algumas baianas reverenciam São Lázaro como Omolu e São Roque, que é o outro padroeiro do santuário, como Obaluaê, através do conhecido banho de pipoca.
A tradição e o sincretismo religioso que existem na igreja de São Lázaro estão ligados a fatores históricos e geográficos. Segundo o Padre Marcos Piatek, que coordena a Paróquia Ressurreição do Senhor à qual pertence o santuário de São Lázaro, a Federação era um lugar isolado do centro da cidade para onde eram enviadas as pessoas com doenças contagiosas e também os escravos doentes trazidos da África. Tudo isso acontecia devido à existência do Hospital de São Lázaro, conhecido por Lazareto, que era ligado à igreja no período colonial.
A crença em São Lázaro e em São Roque como santos que intercedem nas curas das doenças é algo bastante presente entre os visitantes do santuário na Federação. “Ganho muitas bênçãos para mim e para minha família”, contou Dona Celina Ferreira da Silva, uma funcionária pública de 65 anos que sempre vai às missas realizadas nas segundas-feiras, para agradecer pelas graças e pedir pela melhora de seu marido, que está muito doente. Assim como Dona Celina, o jovem casal Vandergleison dos Santos, 25 anos e Adelita de Jesus, 32, explica que comparecem às celebrações como forma de agradecimento pela cura do seu filho.
As figuras de São Lázaro e São Roque estão diretamente ligadas aos aspectos referentes às doenças. São Lázaro foi citado em uma das parábolas de Jesus, no evangelho de São Lucas, como um pobre mendigo cheio de feridas na pele, que pedia à porta de um homem rico. Lázaro não tinha amigos, mas somente cachorros em sua companhia. Já São Roque foi um jovem médico francês que viveu na Idade Média e abriu mão da sua riqueza para seguir uma vida próxima à Cristo. Ele se tornou santo por conseguir uma cura milagrosa sobre a peste negra que contaminou a Europa naquela época.
Tradição
A existência do sincretismo religioso é muito forte na Bahia e isso tem uma clara fundamentação histórica. Para o padre Edson Menezes, reitor do Seminário Central São João Maria Vianney e professor de teologia na Universidade Católica do Salvador, a obrigatoriedade de ser católico que foi imposta pela igreja e pelo poder político durante o período colonial marcou o início dessa forma de expressão religiosa: “Os negros passaram a buscar uma forma de burlar as autoridades cultuando os santos católicos, buscando elementos em comum em relação aos orixás. A partir daí, essa manifestação passou a se fortalecer”, explica padre Edson.
Segundo o livro “Os Orixás”, publicado pela Editora Três, Omolu e Obaluaê são variações do orixá Xapanã (nome proibido no Candomblé e na Umbanda), sendo Omolu sua forma jovem e Obaluaê o Orixá representado na velhice. A relação com São Lázaro e São Roque se estabelece, porque no Candomblé a figura de Omolu-Obaluaê tem uma relação de poder sobre as doenças, principalmente as epidêmicas. Faz parte da essência desse Orixá tanto causar quanto possibilitar a cura de uma enfermidade.
Foi exatamente a imposição religiosa existente no Brasil Colônia, que fez com que os negros passassem a relacionar São Lázaro e São Roque à Omolu-Obaluaê. Com a construção da capela de São Lázaro na Federação no início do século XVIII, antes mesmo da igreja do Bonfim, muitos escravos, doentes ou não, iniciaram o sincretismo que permanece como uma lembrança de quando o Candomblé era apenas uma seita.
Antoniel Ataíde Bispo, diretor-secretário da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (FENACAB) há 25 anos, ressalta que o grande divisor de águas para que o candomblé se desvinculasse da Igreja foi a criação da própria Federação, em 24 de novembro de 1946. “Nós com muita honra pertencemos hoje a uma religião Afro-Brasileira”, ressalta Antoniel, que também é babalorixá do terreiro Omi Natosse, localizado no bairro de Cidade Nova em Salvador.
Pipoca
Outro forte ponto de devoção do santuário de São Lázaro está relacionado às baianas que ficam na parte externa da igreja dando o conhecido banho de pipoca nas pessoas que participam das missas realizadas nas segundas-feiras. A yalorixá Janete, que há 14 anos se desloca do seu terreiro Oyá Massi, localizado no município de Lauro de Freitas, diz que vem a Federação, assim como todas as outras integrantes do candomblé para dar banho de pipoca em cumprimento e agradecimento a uma promessa por uma graça alcançada pela ajuda de São Lázaro (Omolu) e São Roque (Obaluaê)
O babalorixá Alberto, do terreiro Ilê Axé Iyá Omi Nidê localizado na Federação, considera o banho de pipoca como uma “fonte de energia”. Muitas pessoas tomam o banho antes ou depois das celebrações religiosas, como o tarólogo Ulisses Guimarães, 31 anos, que defende o banho como um “ato religioso em que a flor de Obaluaê, a pipoca, faz a limpeza do corpo”. Ulisses também possui uma relação com o Candomblé e participa das missas nos dias de São Lázaro. “Tudo tem que ser feito de livre e espontânea vontade”, destacou a mãe-de-santo Janete que ainda brincou dizendo que o banho de pipoca é dado “do mendigo ao doutor, até mesmo em cachorro”. Dona Walmirete, que também dá banhos de pipoca em frente ao santuário de São Lázaro, conta que vai a Federação todas as segundas-feiras para cumprir uma promessa referente à cura de uma doença na sua perna esquerda.
O superintendente de coordenação estadual da FENACAB, o babalorixá Roberto, alega que a pipoca não deve ser usada como ocorre na Federação. “Só se deve jogar a pipoca quando existe o ato a Obaluaê”, explica Babá Roberto. Ele ainda diz que ainda há pouco esclarecimento por parte de algumas integrantes do Candomblé fazendo com que esses elementos que envolvem a religiosidade, como o banho de pipoca e o próprio sincretismo venham a acontecer.
Devoção
Dentre as centenas de católicos que visitam a igreja de São Lázaro no dia do padroeiro (Segunda-feira), algumas em especial visitam a Capela dos Milagres situada dentro do santuário para deixar os “Ex-Votos”. Segundo uma publicação do padre Marcos Piatek no site da Paróquia Ressurreição do Senhor esses objetos “exteriorizam o favor recebido de Deus pela graça de São Lázaro”. Os devotos deixam fotografias, muletas, cartas, mas principalmente partes do corpo feitas em parafina que obtiveram cura como: corações, braços, pernas, fígados, etc.
Quatro missas são realizadas no dia de São Lázaro. Entretanto, em toda primeira segunda-feira do mês, há a celebração da missa Afro. Nessas celebrações estão presentes elementos da cultura Afro-Baiana, como cantos tocados com pandeiros, maracás e atabaques, além da oferenda de elementos como o fogo, a água, frutas, dentre outros. O padre Marcos diz que: “O evangelho tem que chegar à cultura de cada povo”, destacando assim a importância que esse tipo de missa exerce na identificação do povo negro baiano com a Igreja.
(junho de 2005)
A tradição e o sincretismo religioso que existem na igreja de São Lázaro estão ligados a fatores históricos e geográficos. Segundo o Padre Marcos Piatek, que coordena a Paróquia Ressurreição do Senhor à qual pertence o santuário de São Lázaro, a Federação era um lugar isolado do centro da cidade para onde eram enviadas as pessoas com doenças contagiosas e também os escravos doentes trazidos da África. Tudo isso acontecia devido à existência do Hospital de São Lázaro, conhecido por Lazareto, que era ligado à igreja no período colonial.
A crença em São Lázaro e em São Roque como santos que intercedem nas curas das doenças é algo bastante presente entre os visitantes do santuário na Federação. “Ganho muitas bênçãos para mim e para minha família”, contou Dona Celina Ferreira da Silva, uma funcionária pública de 65 anos que sempre vai às missas realizadas nas segundas-feiras, para agradecer pelas graças e pedir pela melhora de seu marido, que está muito doente. Assim como Dona Celina, o jovem casal Vandergleison dos Santos, 25 anos e Adelita de Jesus, 32, explica que comparecem às celebrações como forma de agradecimento pela cura do seu filho.
As figuras de São Lázaro e São Roque estão diretamente ligadas aos aspectos referentes às doenças. São Lázaro foi citado em uma das parábolas de Jesus, no evangelho de São Lucas, como um pobre mendigo cheio de feridas na pele, que pedia à porta de um homem rico. Lázaro não tinha amigos, mas somente cachorros em sua companhia. Já São Roque foi um jovem médico francês que viveu na Idade Média e abriu mão da sua riqueza para seguir uma vida próxima à Cristo. Ele se tornou santo por conseguir uma cura milagrosa sobre a peste negra que contaminou a Europa naquela época.
Tradição
A existência do sincretismo religioso é muito forte na Bahia e isso tem uma clara fundamentação histórica. Para o padre Edson Menezes, reitor do Seminário Central São João Maria Vianney e professor de teologia na Universidade Católica do Salvador, a obrigatoriedade de ser católico que foi imposta pela igreja e pelo poder político durante o período colonial marcou o início dessa forma de expressão religiosa: “Os negros passaram a buscar uma forma de burlar as autoridades cultuando os santos católicos, buscando elementos em comum em relação aos orixás. A partir daí, essa manifestação passou a se fortalecer”, explica padre Edson.
Segundo o livro “Os Orixás”, publicado pela Editora Três, Omolu e Obaluaê são variações do orixá Xapanã (nome proibido no Candomblé e na Umbanda), sendo Omolu sua forma jovem e Obaluaê o Orixá representado na velhice. A relação com São Lázaro e São Roque se estabelece, porque no Candomblé a figura de Omolu-Obaluaê tem uma relação de poder sobre as doenças, principalmente as epidêmicas. Faz parte da essência desse Orixá tanto causar quanto possibilitar a cura de uma enfermidade.
Foi exatamente a imposição religiosa existente no Brasil Colônia, que fez com que os negros passassem a relacionar São Lázaro e São Roque à Omolu-Obaluaê. Com a construção da capela de São Lázaro na Federação no início do século XVIII, antes mesmo da igreja do Bonfim, muitos escravos, doentes ou não, iniciaram o sincretismo que permanece como uma lembrança de quando o Candomblé era apenas uma seita.
Antoniel Ataíde Bispo, diretor-secretário da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (FENACAB) há 25 anos, ressalta que o grande divisor de águas para que o candomblé se desvinculasse da Igreja foi a criação da própria Federação, em 24 de novembro de 1946. “Nós com muita honra pertencemos hoje a uma religião Afro-Brasileira”, ressalta Antoniel, que também é babalorixá do terreiro Omi Natosse, localizado no bairro de Cidade Nova em Salvador.
Pipoca
Outro forte ponto de devoção do santuário de São Lázaro está relacionado às baianas que ficam na parte externa da igreja dando o conhecido banho de pipoca nas pessoas que participam das missas realizadas nas segundas-feiras. A yalorixá Janete, que há 14 anos se desloca do seu terreiro Oyá Massi, localizado no município de Lauro de Freitas, diz que vem a Federação, assim como todas as outras integrantes do candomblé para dar banho de pipoca em cumprimento e agradecimento a uma promessa por uma graça alcançada pela ajuda de São Lázaro (Omolu) e São Roque (Obaluaê)
O babalorixá Alberto, do terreiro Ilê Axé Iyá Omi Nidê localizado na Federação, considera o banho de pipoca como uma “fonte de energia”. Muitas pessoas tomam o banho antes ou depois das celebrações religiosas, como o tarólogo Ulisses Guimarães, 31 anos, que defende o banho como um “ato religioso em que a flor de Obaluaê, a pipoca, faz a limpeza do corpo”. Ulisses também possui uma relação com o Candomblé e participa das missas nos dias de São Lázaro. “Tudo tem que ser feito de livre e espontânea vontade”, destacou a mãe-de-santo Janete que ainda brincou dizendo que o banho de pipoca é dado “do mendigo ao doutor, até mesmo em cachorro”. Dona Walmirete, que também dá banhos de pipoca em frente ao santuário de São Lázaro, conta que vai a Federação todas as segundas-feiras para cumprir uma promessa referente à cura de uma doença na sua perna esquerda.
O superintendente de coordenação estadual da FENACAB, o babalorixá Roberto, alega que a pipoca não deve ser usada como ocorre na Federação. “Só se deve jogar a pipoca quando existe o ato a Obaluaê”, explica Babá Roberto. Ele ainda diz que ainda há pouco esclarecimento por parte de algumas integrantes do Candomblé fazendo com que esses elementos que envolvem a religiosidade, como o banho de pipoca e o próprio sincretismo venham a acontecer.
Devoção
Dentre as centenas de católicos que visitam a igreja de São Lázaro no dia do padroeiro (Segunda-feira), algumas em especial visitam a Capela dos Milagres situada dentro do santuário para deixar os “Ex-Votos”. Segundo uma publicação do padre Marcos Piatek no site da Paróquia Ressurreição do Senhor esses objetos “exteriorizam o favor recebido de Deus pela graça de São Lázaro”. Os devotos deixam fotografias, muletas, cartas, mas principalmente partes do corpo feitas em parafina que obtiveram cura como: corações, braços, pernas, fígados, etc.
Quatro missas são realizadas no dia de São Lázaro. Entretanto, em toda primeira segunda-feira do mês, há a celebração da missa Afro. Nessas celebrações estão presentes elementos da cultura Afro-Baiana, como cantos tocados com pandeiros, maracás e atabaques, além da oferenda de elementos como o fogo, a água, frutas, dentre outros. O padre Marcos diz que: “O evangelho tem que chegar à cultura de cada povo”, destacando assim a importância que esse tipo de missa exerce na identificação do povo negro baiano com a Igreja.
(junho de 2005)
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