-Hoje, quando eu estava vindo pra escola, vi uma macumba.
-Não. Você viu uma oferenda!
Esse diálogo presenciado pela professora fazia parte de uma conversa informal entre dois de seus alunos. Ana Helena dá aulas ao pré II e conta orgulhosa como é comum as crianças reagirem contra desrespeitos a rituais da cultura negra. Elas estudam na Escola Municipal Malê Debalê, que fica no bairro de Itapuã e possui educação infantil, 1ª e 2ª série. A nova postura desses alunos diante da discriminação e do preconceito está sendo possível graças à implementação da lei 10.639, que traz em seu texto diversas alterações a lei 9.394, existente desde 1996. A antiga lei foi criada para incluir a temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” no currículo escolar do ensino fundamental e médio, sua principal e mais comemorada mudança foi tornar-se obrigatória. Para os meninos e meninas do bairro, que entre 1744 e 1764 abrigou o Quilombo Buraco do Tatu, é a oportunidade de conhecer a história de luta e resistência do povo negro. E orgulhar-se e de descender da raça de heróis como Zumbi dos Palmares. “Desmistificar a idéia do negro coitadinho” é de acordo com a coordenadora da instituição, Isabel Passos, um dos objetivos do ensino, que valoriza a identidade cultural. No entanto, adequar as atividades à nova diretriz curricular não foi tarefa das mais fáceis. Isiane Aline da Silva, diretora da unidade de ensino, diz que os professores chegaram a se reunir aos sábados para fazer grupo de estudos.
Reação dos pais
Marlene Souza, 34, notou a abordagem da nova temática quando a escola passou uma atividade para sua filha contendo histórias da cultura afro-brasileira. A mãe, que freqüenta igrejas católicas e evangélicas, diz não ver problema na educação da filha. “Acho bom, porque ela vai aprendendo, conhecendo e respeitando a cultura dos outros”, comenta. Mas ela revela que em casa nem todos pensam assim. A tia de Emili Souza, de 5 anos, filha de Marlene, é Testemunha de Jeová e não concordou com idéia. Segundo Marlene, sua irmã acredita que estão ensinando candomblé às crianças e aconselha mudar a sobrinha de escola. Apesar disso, Emili continua estudando e se comporta como agente multiplicador, contando tudo que aprende para a família e os amigos. Uma das professoras da escola Malê Debalê, Flaviane Sudário, afirma ter cuidado para não incentivar o culto. Procurada por alguns pais, ela deixou claro que “não estava ensinando religião e sim cultura, em termo de conhecimento histórico para desconstruir o preconceito que há”, concluiu. Assim, a fórmula encontrada pelos educadores para seguir as diretrizes curriculares exigidas foi unir a cultura afro-brasileira e africana ao meio ambiente, revelando a ponte existente entre os orixás e a natureza. Dessa forma, os alunos aprendem a preservar o meio ambiente conhecendo a mitologia africana, na qual Oxum, rainha das águas doces, representa a fertilidade da vida. Outra maneira foi usar a simbologia das cores que representam os orixás, verde para Oxóssi, branco para Oxalá, descreve Flaviane.Uma mostra do aprendizado foi dada durante o Desfile da Primavera 2006, que teve a participação efetiva dos pais e da comunidade. Além desse, a peça teatral chamada “Três Reinos e uma Nação” que contou a história das três raças que construíram o Brasil, e um concurso de redação com a temática “Água e Zumbi”, completaram o ciclo de atividades produzidas a partir dos conhecimentos adquiridos. “Foi um ano em que aprendemos como adotar a lei sem ser agressivo para as crianças”, resume a diretora da instituição.O trabalho desenvolvido por professores e alunos tem gerado bons frutos. Recentemente, a escola recebeu a visita de representantes do Ministério do Meio Ambiente de Angola e do Brasil. O coordenador de educação do bloco relata que eles vieram conhecer a forma criativa usada para ensinar Educação Ambiental às crianças. Recebidos com música e dança, puderam perceber a alegria dos alunos em demonstrar o que aprenderam.
Educação e conscientização
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